Monarca com uma inteligência notável e uma cultura e saber vastíssimos, D. Pedro V distinguiu-se dos demais. Profundo conhecedor das “pastas” e decidido a intervir na boa governação do Reino, como era seu dever, elevou-se em relação à classe política medíocre da altura, tornando-se odiado por esta e amado pelo povo. Cognominado “O Esperançoso”, foi, sem dúvida e apesar do seu curto reinado, um dos nossos mais brilhantes reis.

D. Pedro V
Filho primogénito de D. Maria II e de D. Fernando de Saxe-Coburgo e Gotha, príncipe de elevada cultura, D. Pedro V nasceu em 1837. Quando a Rainha morreu inesperadamente, em Novembro de 1853, com apenas 34 anos de idade, na sequência do 11.º parto, deu-se início aos dois anos da regência de D. Fernando II, Rei Consorte desde o nascimento do filho, que se estenderia até este atingir a idade de 18 anos, quando foi aclamado Rei. O período de viagens de estudos em que visita, com seu irmão Luís, que lhe sucederia, vários países europeus é fundamental para a sua formação. Pelos relatórios e cartas que então escreveu nota-se desde cedo uma imensa curiosidade, uma elevada inteligência, um rigor absoluto e uma precocidade impressionante. Características de um futuro rei, sem dúvida. A sua vontade de saber era ampla e estendia-se das letras às ciências, sem esquecer as artes.
Naturalmente, a História era uma matéria à qual conferia grande importância para a condução do Reino. Em “D. Pedro V – Um Homem e um Rei”, Ruben Andresen Leitão, mais conhecido como romancista e pelo pseudónimo literário Ruben A., sintetiza bem este aspecto, afirmando que “D. Pedro V pensava em tudo que fosse útil, e como aos seus olhos a História era útil porque nos servia directamente, estudava-a, assim, com duplo interesse. O que eram as reformas senão mudanças feitas a fim de suprir erros do passado? O que é a tradição histórica senão um poderoso auxílio à continuidade de independência de uma nação? Quanto nos serve ter um passado histórico enriquecido pela existência de homens notáveis! Tantas ideias, tantas impressões, enchiam o cérebro daquele que um mês mais tarde tomaria conta do governo”.
Não será assim de estranhar que este se tenha tornado um rei com um magnetismo impressionante, por quem o povo se apaixonou e a quem alimentou a esperança.
Sobre esse efeito, é de assinalar uma passagem do prólogo da biografia de D. Pedro V escrita por Maria Filomena Mónica, em que a autora afirma: “A minha visão de D. Pedro mudou ao longo do tempo, mas isto aconteceu – o que é estranho – de uma forma não linear. Não passei, de um dia para o outro, da tese de D. Pedro ser um monarca petulante, pérfido e funesto para a concepção de que, pelo contrário, fora um rei trágico, romântico e honesto. Mesmo quando, à superfície, optava por uma, a outra, escondida, resistia. Devagarinho, fui-me habituando a conviver com ambas.” Tal é a influência deste Rei à distância do tempo e do olhar académico. Recuando até ao seu reinado, àqueles que com o “Esperançoso” conviveram, recordemos as palavras de Alexandre Herculano, que foi seu educador: “A minha afeição por D. Pedro começava a degenerar em paixão, e eu a perceber como se pode ser fanático. Desconfio de que, se continuasse a viver, chegaria a fazer de mim o que quisesse.”
Uma obra para todos
A “aproximação” ao Povo, que justamente lhe reconheceu a obra e o exemplo, não se deveu a uma manobra de ‘marketing’ político – como diríamos hoje –, mas a uma preocupação genuína com os seus. Sentia que o facto de ser monarca não lhe garantia uma distância confortável dos problemas dos cidadãos comuns, antes lhe conferia uma maior responsabilidade. A esse respeito, escreveu D Pedro V: “Todos nós sabemos que os reis são homens como os outros, que eles têm desejos, paixões e defeitos; que eles têm os meios naturais de satisfazer esses desejos, de ceder ao império dessas paixões, e de seguir a vida errónea dos seus defeitos; mas devemos também lembrar-nos de que existe para eles uma lei moral muito mais severa do que para outros, porque quanto mais elevada é a posição tanto maior é a influência do exemplo.”
No seu curto reinado impulsionou e esteve ligado a diversos empreendimentos em variadíssimas áreas, sempre com o objectivo de melhorar o País em todos os aspectos, do progresso técnico à educação. De entre eles podemos destacar a inauguração do caminho-de-ferro, com a linha de Lisboa ao Carregado, e os planos para sua a expansão, bem como do telégrafo eléctrico e a inauguração das primeiras viagens regulares de navio entre a Lisboa e Angola, o que demonstra a sua preocupação com a melhoria das comunicações. De referir, ainda, a exposição industrial do Porto, a primeira internacional realizada em Portugal, e a fundação da Associação Industrial Portuguesa, para além da introdução do sistema métrico, a criação da Comissão Central de Estatística do Reino e, ainda, a apresentação do projecto de Código Civil e a supressão dos morgados e capelas ainda existentes. Defensor da abolição da escravatura, determinou a concessão de liberdade a todos os escravos que desembarcassem no continente, ilhas adjacentes, Índia e Macau. No campo da educação e da cultura, criou da Direcção-Geral de Instrução no Ministério do Reino, fundou do Curso Superior de Letras 1859, que ele próprio subsidiou com um donativo de 91 contos de réis, melhorou o ‘curriculum’ da Escola Politécnica e deu início à publicação dos Portugaliae Monumenta Historica.
Também a saúde pública foi uma das suas grandes preocupações, juntamente com a sua mulher, a princesa D. Estefânia de Hohenzollern-Sigmaringen, com quem D. Pedro V fundou hospitais públicos e instituições de caridade. Cumprindo os desejos por ela manifestados, o monarca fundou o Hospital de Dona Estefânia, em Lisboa.
Durante as epidemias que flagelaram Portugal, uma de cólera, entre 1853 e 1856, e outra de febre amarela, principalmente em 1856 e 1857, o Rei, em vez de se refugiar, deixando a capital, como fizeram bastantes famílias abastadas e não menos políticos, percorria os hospitais e demorava-se à cabeceira dos doentes e inspeccionava a operacionalidade das medidas de luta que havia delineado, o que lhe conferiu elevado reconhecimento e muita popularidade.
Regularmente, sempre que podia, visitava, durante a tarde, sem avisar, quartéis, hospitais, instituições públicas, ou assistia a aulas no Curso de Letras e na Politécnica, onde se sentava ao fim da sala. Esta prática, para além de lhe proporcionar um conhecimento directo, mantinha “alerta os indolentes”, como escreveu ao seu tio e mentor, o Príncipe Alberto de Inglaterra.
Inteligência e cultura
“Estou certo de que nada produz mais o barbarismo do que a ignorância, e nenhuma mais do que a da História, porque a História mostra o que são os homens, mostra o que eles foram, e é a experiência dos séculos; e acrescentarei nenhuma ignorância de História é mais prejudicial do que a da História da Civilização.” Estas sábias palavras de D. Pedro V não eram um lamento ou um desabafo, antes o levaram à acção. As suas reflexões não eram bonitos textos para encher as prateleiras das bibliotecas dos mais cultos, pois como afirmou este monarca: “Escrevemos para um povo dormente a quem convém despertar; para cegos (dos da pior espécie que são os que não querem ver) a quem cumpre restituir a luz; para obstinados cuja relutância devemos vencer.”
Como tão bem o caracterizou o jornalista e historiador Roberto de Moraes, na revista “Futuro Presente”, D. Pedro V era “da estirpe de um D. João II a que se juntava algo da inteligência percutante e sombria de um D. Duarte” e “aliava as qualidades do homem de reflexão às do homem de acção, pois se era um realista que não podia ignorar o estado desgraçado em que se encontrava o Reino (muitos anos de guerra civil endémica, sucessão ininterrupta de Governos, humilhações face ao estrangeiro com a convenção de Gramido, revoltas como a da Maria da Fonte e a subsequente Patuleia, etc.), realista dobrado de pessimista, que não ocultava o idealista que também, lá bem no fundo, não deixava de ser”. Um Homem cuja morte precoce foi uma perda para Portugal, mais um daqueles azares históricos que parecem ser recorrentes na nossa História.
A aura do herói
A vida breve mas plena de D. Pedro V é, para Ruben Andresen Leitão, “o início de um período histórico que vai terminar com as vitórias brilhantes das nossas campanhas africanas; origina-se, se assim podemos dizer, um perfeito ciclo histórico: D. Pedro V, período de criação; D. Luís, período de transição; e Oliveira Martins, período de confirmação imperial e de constante projecção actual. É uma unidade perfeita, onde encontramos princípio, meio e fim”. Tal é o papel dos heróis de carne e osso que tocam o “invisível”. Na sexta elegia de Duíno, Rainer Maria Rilke oferece-nos umas linhas maravilhosas que nos recordam o “Rei Esperançoso”: “Sim, estranhamente próximo dos jovens mortos está o herói. Durar não o atrai. A ascensão é para ele existir: incessantemente de si projecta e entra na constelação sempre mudada do seu perigo constante. Poucos aí o encontrariam. Mas, aquele destino que obscuramente nos oculta, subitamente possuído de entusiasmo, cantando impele-o para a tormenta do seu mundo cheio de bramidos. Na verdade outro não oiço como ‘ele’. Repentinamente me trespassa no ar em torrentes o seu som agora grave”.
Esperança
Homem de pensamento e acção, D. Pedro V devolveu a esperança ao Povo. Colocava acima de tudo os interesses da Pátria, elevando-se das tricas políticas e dos jogos de interesses que ensombravam a sua época. Era a antítese da classe política, corrupta e incapaz de então e primava pelo intervencionismo, não se fechando distante e confortavelmente no palácio. Os portugueses viram-no como uma resposta à decadência nacional que se vivia. O Povo chorou-o e, convencido de que “os políticos” o tinham envenenado a mando do Marquês de Loulé, amotinou-se em Lisboa, onde várias casas foram saqueadas e queimadas.
Foi o fim inesperado de uma ascensão que tanto prometia, encarnada num Rei que realmente representou os portugueses enquanto Nação.
D. Pedro V morreu com 24 anos, a mesma idade com que D. Sebastião caiu no areal e na hora adversa em Alcácer-Quibir…