Confesso que se me encarquilham os dedos e se me parte o coração ao procurar encontrar palavras para descrever esta escabrosa notícia. Se me limitasse ao lado racional da coisa até deveria estar exultante. Mas não consigo; o assunto é tão sórdido que tenho dificuldade em narrá-lo. Os factos são tão chocantes que sei que muita gente, anestesiada pelos afectos superficiais, prefere não se inteirar e evitar falar deles. Mas o nosso código ético e o nosso propósito anunciado no editorial fundacional obriga-nos a chamar a atenção para eles.
Há cerca de uma semana, um tribunal da comarca de Orange, no Estado americano da Califórnia, mandou encerrar duas empresas interligadas, a DV Biologics e a DaVinci Biosciences. Eram acusadas de traficar fetos humanos, em bocados, em órgãos e em tecido celular. Foram ainda condenadas a pagar ao Estado uma multa de 7,8 milhões de USD. Aquelas empresas, e muitas outras, noutros Estados e noutras jurisdições, praticam intermediação para escoamento comercial dos órgãos de fetos humanos, provenientes de clínicas de aborto geridas, na sua grande maioria, pela rede da Planned Parenthood [Planeamento Familiar], fortemente apoiada financeiramente pelo Estado americano e por sombrias organizações e fundações como as do grande capitalista especulador George Soros, as ditas Open Society. Os pedaços de fetos, e as amostras de tecido celular, provenientes dos bebés abortados naqueles centros são depois vendidos, como matéria prima, no mercado interno ou exportados para países como a China, Singapura, o Japão, a Holanda, o Reino Unido, a Alemanha, a Suíça, o Canadá ou a Austrália. A Planned Parenthood [Planeamento Familiar] Federation of America, principal organização americana promotora do aborto a pedido é igualmente a líder na indústria abortista que movimenta um negócio de muitos milhões.
A recente decisão judicial foi o culminar de um processo iniciado em Setembro de 2015 quando a organização pró-vida, o Center for Medical Progress, apresentou queixa na justiça americana contra aquelas empresas, na sequência de uma vibrante investigação que permitiu captar em vídeo, com uma câmara oculta, responsáveis das citadas empresas, e da Planned Parenthood (a própria responsável máxima dos Serviços Médicos) a confirmarem a oferta (e até o desmembramento dos corpos dos bebés) e o preçário dos «produtos», em bruto ou manipulados. Um fígado custa 350 USD e um cérebro entre 750 e 1.100 USD.
Em Março deste ano o lobby abortista já havia sofrido um importante revés quando uma dramática votação no Senado para impugnar um ukase da administração Obama que impedia os Estados de retirar o apoio financeiro à Planned Parenthood, acabou por passar após um empate desfeito pelo voto do vice-presidente Mike Pence. O senador John Isakson, em convalescença pós-operatória, deslocou-se de propósito ao Senado, com o apoio de um andarilho, para votar e garantir o empate, já que alguns Republicanos se haviam juntado aos Democratas para rejeitar a medida. A questão ressaltara quando as autoridades do Texas tinham tentado impedir que fundos do Medicaid fossem direccionados para a rede da Planned Parenthood mas a iniciativa havia sido bloqueada por um juiz federal com base na despótica legislação obamiana.
Pouco tempo antes, a procuradoria-geral da Califórnia, pressionada pela rede abortista, tinha levantado um processo crime aos dois responsáveis pela captação dos vídeos, Sandra S. Merritt e David R. Daleiden, ao mesmo tempo que os abortistas faziam aprovar uma injunção para impedir a divulgação de mais imagens sobre o assunto. As captações haviam sido feitas em conversa aberta em mesas de restaurantes e até em seminários e congressos de acesso publico em que os acusados se haviam inscrito. Mas, tal como no Portugal dos Pinto Monteiros, importa mais atacar o mensageiro que a mensagem… O lobby e a sua vasta rede de militantes e simpatizantes cerrou fileiras, com o New York Times à cabeça, e vá de zurzir nos «criminosos jornalistas prolifers». Mas o vazamento de um relatório confidencial da Fundação Open Societies, de Soros, disponibilizado pelo site DCLeaks.com, permitiu perceber que no seio da Planned Parenthood reina o pânico. O relatório, ao descrever a justificação para o pedido urgente de um avultado subsídio, dá nota da agitação que percorreu todo o movimento abortista com o escândalo da comercialização dos órgãos dos bebés abortados. David Daleiden comentou que «tudo isto mostra como uma organização que dispõe de importantes meios financeiros e tão ancorada politicamente, com é a Planned Parenthood, não é invencível».
Será que estes exemplos vindos de além-mar nos farão despertar da aparente letargia em que parece hibernar o movimento pró-vida português? Tirando o meritório trabalho concreto de acolhimento e aconselhamento de algumas associações pró-vida, que trabalham há muito no terreno, a verdade é que o movimento pró-vida cá da terra só parece dar sinal de vida em circunstâncias de implicação político-partidária (que, como tal, dividem mais do que unem) ou na comemoração de uma ou outra efeméride mais significativa.